Esquecimento

“Querida.
Temo não vê-la mais.
O tratamento aqui neste lugar é terrível. Mal tenho forças para levantar-me de minha cama.
Essas mal-traçadas linhas as escrevi deitado em meu leito. Moribundo de vida. Vida que suponho, está chegando ao fim.
Não sei como pude permitir que me trouxessem pra cá. Me doparam. Me vi sem forças.
Ainda guardo você na retina. Lembro de você na sacada. Não sei se chorava. Não sei se sorria. Também não sabia que esta distância duraria pra sempre.
Deve ter passado, 30, 40 anos. Até mais. Sei lá.
Isolado de tudo é que vemos que o inexorável tempo não existe. Mas pra mim dói como se fosse ontem.
Tudo que sobrou foi essa saudade incontida. Pensamentos confusos.
Hoje o gosto amargo na boca se confunde com os ungüentos que me dão. Os remédios que juram que vão me curar.
Mas nada acontece. Sinto muito sono mas mal consigo sonhar.
Não sei como você está. Se está casada, se teve outra família, filhos.
Dói profundamente a maneira de como o destino me afastou de você.
Fuçaram minhas coisas. Não encontrei seu retrato. Nem suas cartas, nem a esperança.
Minha identidade se perdeu de mim mesmo. Nem lembro mais meu nome.
Tudo que sobrou foram alguns trapos velhos, uma sacola rota. E uma chave que nem sei mais qual entrada ela abre. Estou trancado em mim. Não vejo mais saída.
O médico daqui sempre diz que estou melhorando. Não acredito mais nele. As grades da janela dizem que ele está mentindo.
Quero que saiba que estou só. Nenhuma outra pessoa sorriu mais pra mim. Guardei profundamente aquele seu último sorriso.
Dentro deste labirinto em que me encontro vejo o tempo se esgotando. Desculpe por nunca mais ter voltado.
Minha única loucura dentro deste manicômio é amar demais alguém que na vida perdi”...


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