Desencontros



Maurílio Américo de Carvalho, meu amigo Maurilhão, faleceu na noite de um domingo de carnaval, a uns dez anos atrás, de uma maneira improvável como já aconteceu com todos os boêmios que conheci. Foi alguns dias após o seu aniversário. Mais improvável porém que a épica ressaca daquela segunda-feira de folia, onde minha percepção da realidade não queria acreditar no acontecido. Aquela “dor de cabeça” homérica confundiu meu pensamento.
Só passei a acreditar mesmo na ”ida” do Maurílio quando minha Mãe, pela terceira vez naquela tarde, me confirmava seriamente seu desterro.
Desci a rua desorientado. Ele encerrava uma amizade ampla, dessas de ir “até o arroz secar”. Incógnito, porém engraçado. Cheio de confusões, mas de um coração imenso. Parceiro de vida, de trabalho, de balcão e de madrugadas. Quantas infindáveis vezes bilhetinhos meus foram capazes de arrumar uma paquera pra ele na noite.
Pensando bem agora, deveria ser por isso que ele sempre andava com uma caneta no bolso. Foi assim que o jovem poeta passou a eternizar versos perdidos por aí.
Meu amigo de Phumbika, de festas de São Benedito e Santa Rita. De forró no Pop Drink. De pagodes no LKT.
Quando entrei em seu velório, estava ele, como sempre, usando uma camisa que era minha, emprestada muito tempo antes. A gente tinha esse hábito de “trocar de camisa” no jogo da vida.
Enquanto esperávamos o féretro se deslocar para a eternidade, resolvemos “beber” o Maurílio. Não haveria outra forma de despedida...
Éramos uns treze ou quinze. Nem lembro.
Éramos muitos e, mais saudosos que consternados, perdidos nas histórias cujo personagem principal era ele, acabamos por beber quase três caixas de cerveja no Bar do Roque que fica na Rua 1º de Maio.
Quando caímos em nós, lá vinha ele carregado por alguns que ficaram o velando. Engrossamos o “bloco” já no meio do caminho do Cemitério Pio XII sob aquele sol escaldante de fevereiro.
Bem antes de tudo isso, tomando coragem para ir ao velório, eis que encontro com o Guilherme Leite, outro grande amigo do Maurilhão. Nosso diálogo foi rápido:
-E aí “Tampa”, vai lá depois?
-Claro Guilherme. Tem que ir não é...
-Depois a gente se vê por lá então.
-Beleza...
O que eu e o Guilherme nem percebemos é que falávamos de coisas bem diferentes. Ele perguntava se eu ia à matinê do carnaval no Umuarama Clube, enquanto eu pensava que ele me perguntava sobre o enterro do Maurílio.
Soube depois de algum tempo que o Guilherme não ficou sabendo da morte do nosso amigo. Só teve conhecimento do fato bem de noite, quando a folia daquela segunda-feira de carnaval já estava instalada.
No porre seguinte, a ficha ainda não havia caído...
Perambulando de bar em bar, um teor diferente me acompanhava. O samba, as marchas, as mulatas, os confetes e serpentinas se deslocavam ao meu redor sem tanta empolgação.
Eu queria encontrar um motivo para me perder na folia.
Mas não foi possível.
E o meu grande amigo Maurilhão, figura fácil nessa época, eu não pude nunca mais encontrar.
Todo carnaval realmente tem seu fim...

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