Despertai, Carlucho, despertai!


Perdi um hábito a algum tempo de não comparecer mais em velório. Acho muito desgastante. Por conta de uma complexidade cada vez maior dentro da minha cabeça, esse ato de “sepultar” algum ente querido faz desordem na minha compreensão. Assim, sempre me pego brincando de que “velório, só vou ao meu”. Isso, lógico, se a patroa liberar.
Mas no dia 12 de novembro deu certa vontade de espiar um desses derradeiros encontros (ou seria desencontro?).
Foi bem de manhã, quando levei o maior susto lendo numa placa dependura na grade do Cemitério dos Passos em Guaratinguetá o nome daquele que se despedia, seguido de seu inconfundível apelido: Carlucho.
Ensaiei. Olhava pela janela do local onde trabalho que fica bem em frente. Fabricava subsídios para enfrentar aquela despedia. Hesitei.
Nem mesmo diante dessa tela incomensurável do computador fui capaz de despojar palavras para essa ausência.
Via muita gente entrando lá, assim como flores. Flores e mais flores teimando em deixar o extinto mais feliz.
Sim, porque, o Carlucho só combinava com isso: alegria.
Na cabeça, uma forma inusitada de saudade fazia reverências aquela figura emblemática que comandou a parte mais feliz dos carnavais de Guaratinguetá por mais de 35 anos.
Foi uma figura nostálgica. Foi assim que criou a legendária Banda Mole, a fim de resgatar os velhos carnavais de outrora.
Logo disparava a memória: “Ai, ai, ai, ai...tá chegando a hora”...
Houve a promessa de que um bumbo ia tocar. Fiquei na expectativa. Fiz promessa também de que se a banda tocasse, eu iria. Tinha de ir. Embora eu não fosse capaz de rever o Carlucho ali, inerte. Sem sorriso, sem samba. Não combinava Carlucho rodeado de lágrimas e de uma saudade incurável. Essa saudade deveras forte, de disseminação prolongada. Saudade de fato inegável revigorada pela quantidade de iniciativas da memória em lembrar. Saudade capaz de mudar o roteiro e o trajeto da Banda Mole, que a partir de agora, teria que obrigatoriamente passar em frente ao portão do Cemitério Senhor dos Passos e parar por um minuto. Mas não um minuto de silêncio como se fazem ao simples mortais não. E sim um minuto de intensa baderna, sem aspas e sem a metódica repressão dos costumes. Quem sabe assim ele desperte...
E para não ser reconhecido no meio da folia, sair de peruca loira, batom vermelho carmim e lantejoulas na bochecha pra sumir depois na apoteose de um sonho e no brilho triunfal do carnaval...



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