Aos teus pés...


Cresceram juntos na mesma rua.
Jonny era filho de um renomado advogado. Antonio, filho de lavadeira que perdera o marido pedreiro quando ele ainda era um bebezinho.
Jonny era maldoso. Achava que podia tudo.
Antonio apenas suportava aquela miséria com alegria.
Certa vez se desentenderam num jogo de futebol lá no campinho. Jonny com sua chuteira importada. Antonio descalço. A culpa foi de uma entrada mais violenta do moleque mau.
Depois de rolarem na poeira do chão levando a turma ao delírio, um adulto que passava por perto acabou por separar a briga. Jonny ainda disse a Antonio que ”ele não chegava aos seus pés” e prometeu outro confronto. Antonio, sem demonstrar medo, topou.
Depois deste dia foram se afastando um do outro. O orgulho infantil foi dando lugar a uma mágoa toda vez que Antonio lembrava da frase: “você não chega aos meus pés”.
Seguiram destinos opostos.
Jonny se formou advogado como seu pai que acabou morrendo de infarto anos depois.
Antonio ficou por ali mesmo, dando auxilio á sua mãe doente, mas que resistia tirando força sabe lá de onde.
Na faculdade, Jonny conheceu a maconha. Viciou-se. Logo, coisas mais pesadas lhe acompanhavam.
Antonio tomou cachaça uma vez e não gostou. Quando sobrava algum, tomava uma cervejinha de baixa renda no empório do português.
Antonio estudou em escola pública sonhando em ser arquiteto. Estudou tanto que acabou ganhando uma bolsa para estudar na Europa quando um empresário do bairro fez uma parceria com a associação de moradores.
Jonny era um derrotado. Por conta das drogas acabou perdendo a esposa. Depois, houve uma sequência de insucessos nos tribunais e não vencia processo algum. O escritório herdado do pai sucumbiu à crise e teve que ser vendido para sanar contas de funcionários na justiça.
Antonio aprendeu a falar inglês e francês. Arranhava italiano.
Jonny chegou a ser visto dormindo em baixo de um viaduto. E foi por auxilio de um grupo que Jonny resolveu dar uma guinada na vida. De pedinte, virou engraxate e começou a ganhar seu trocado no saguão do aeroporto dando brilho nos sapatos dos outros.
Antonio não via a hora de retornar da Europa por onde esteve por quase 10 anos e rever sua velha mãe que estava morando na casa de uma tia.
Esperando por um taxi, Antonio resolveu dar um lustre no sapato...
O silêncio entre os dois foi cortante, qual lâmina num fruto.
O reflexo do rosto no brilhante calçado mostrava sem precisar de palavras quem estava agora aos pés de quem...



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