O valentão


Ele era um garoto mau, desses que quando põe os pés no chão pela manhã o diabo pensa: “Putz, ele acordou”.
Vivia o dia todo estragando as brincadeiras da criançada. Diante dele, todos pareciam fracos.
Ele não era o dono da bola, mas era como se fosse. Um pouco mais forte e mais velho que os demais, chegava “rasgando” as canelas. Feliz quem estivesse no seu time. Infeliz de quem divergisse.
Era temido até por certos adultos e destemido diante de tudo.
Lembro-me com toda exatidão o dia em que ele pulou o muro do velho cemitério e voltou trazendo nas mãos um crânio. Isso mesmo, uma cabeça de caveira que ficou chutando pela rua como se fosse uma bola, rindo a valer com a peripécia.
As meninas cortavam um dobrado com o tal que sempre vivia erguendo suas saias pondo à mostra tudo que não se pode mostrar.
As guloseimas tinham que passar por sua inspeção. Ai de quem não desse “um téco” pra ele. Teria que correr muito ou ia comer “bicudas” pra valer. E o danado corria... meus Deus como corria.
Em tempos em que a palavra “bullyng” nem sonhava em existir, ele é quem dava os apelidos. Bulia com todos. Era também o único que falava palavrão. Xingava qualquer um achando todos os outros uns “bananas”.
Ele era o maior. O mais célebre, o mais inteligente que vivia se gabando quando era o último a entrar pra casa à noite. Certa vez chegou a ficar até ás dez horas da noite na rua. Recorde batido por ele mesmo quando certa noite chuvosa entrou em sua casa ás dez e quarenta e cinco. Ele era valente.
Não é necessário dizer que ele foi também o primeiro a praticar um furto no supermercado. Foi o primeiro a beber cerveja e bandear para outros lados.
Crescemos, o tempo se encarregou de separar a todos e eu nunca mais o vi.
Depois de muitos anos, dias atrás fiquei sabendo que, depois de passar algum tempo preso, num desses indultos que a justiça concede, se envolveu em confusão novamente e foi morto com vários disparos por outros bandidos na cidade de Caraguá.
Um viva á liberdade e á vida dos “fracos”.
Deus conceda paz aos “valentões” encobertos pelo peso funesto da terra e pela escuridão esquecida do tempo...

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