Obra do acaso


Ele nunca foi bom aluno. Tinha dificuldade com números.
Na gramática, nada de excepcional. Charles gostava mesmo era de desenhar.
Filho de mãe lavadeira, Charles ficou órfão de pai muito novo. Tempo suficiente para se apartar da escola e começar a trabalhar ajudando nas despesas de casa.
Mas seu grande sonho um dia era cursar uma faculdade de desenho. Ser um artista plástico renomado e conhecido mundialmente, com suas telas e obras carregadas pelo mundo todo como verdadeiros tesouros.
Como servente, começou a ajudar um tio que era pedreiro. O tio de Charles bem que tentava, mas ele nunca se interessou em aprender as noções básicas daquela profissão que poderia lhe assegurar um futuro melhor. Ele queria mesmo era saber sobre Arte Nouveau, Rodin, Dalí. Nada corria mais em seus pensamentos como a arte.
Na obra em que trabalhava, Charles vivera uma semana não tão produtiva. Faltou três dias seguidos e chegou atrasado em outros dois. Isso sem contar suas escapadas durante o expediente e seus cochilos fora de hora entre sacos de cimento no segundo andar do apartamento em obras. Seu tio, além de livrá-lo das confusões, dava conselhos a todo o momento. Mas ele nem se abalava e vivia desligado da sua condição de servente de pedreiro.
Certo dia, o chefe da obra flagrou Charles brincando de desenhar justamente na parede da futura sala de estar do apartamento que estava quase pronta. Ele desenhava com restos de tijolos uma gravura “sem pé nem cabeça”. Aquilo foi então a gota d’água...
Nervoso com a cena, o chefe quis colocar o jovem fora dali a ponta pés, mas foi impedido racionalmente pelo tio de Charles.
A bronca que se seguiu foi humilhante. Dizia o homem que não queria ver nenhum rastro dele por ali nunca mais.
No mesmo instante, eis que chega o engenheiro responsável junto do dono do apartamento. Um rico e jovem curador do museu mais importante da cidade.
A discussão se encerrou diante do vislumbre do marchant quando viu aquele desenho na parede da sala. Algo “valioso e estupendo” segundo ele que “deveria ser eternizado ali mesmo, da mesma forma de como foi criado”.
Um perito em obras de arte ficou incumbido de aplicar uma resina sobre aquele desenho feito de forma despretensiosa por Charles. Em volta colocaria uma moldura adequada.
Charles, com toda razão, foi demitido daquela obra.
Mas, por conta da outra, foi ser ajudante do curador no museu mais importante dali.
Sua assinatura ficou eternizada ao lado como um rastro inicial do grande artista descoberto por obra do acaso.

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