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Mostrando postagens de janeiro, 2011

Em busca da cidade perdida.

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Penteando os cabelos brancos, os poucos que lhe restavam, seu Joaquim disse ao neto Zé Pedro de oito anos: -Hoje eu vou te levar pra conhecer a nossa história, a história de nossa cidade! O neto gostava quando seu avô falava em histórias. No reino de encanto de sua infância, quando o velho Joaquim falava assim era como entrar em meio as páginas de um livro ou se perder num roteiro de um filme “Hollywoodiano”, desses que a nobre “Sessão da tarde” nos coloca a sonhar. Zé Pedro pôs seu boné, conferiu a carga da nova máquina digital, algumas balas no bolso e segurou forte as mãos do avô como quem segura o leme de um navio. -Vamos depressa vovô... As pernas daquele senhor de 75 anos já não podiam mais. Logo no início, avistando as duas torres da Basilica Velha, seu Joaquim demonstrou saudade. A cidade mudara tanto. Mas os olhos enevoados ainda sabiam o caminho certo pra chegar ao museu. Antigamente, era preciso subir as escadarias da torre da Basilica Nova. Ali, num empenho glamoroso, uma h

Um viva à liberdade de imprensa.

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Não há necessidade de ser perito em literatura nem graduado em língua portuguesa. Galgar palavras e intoduzílas no meio em que cumprimos nosso papel de cidadão requer emoção e verdade. Um misto de dinamismo e imparcialidade. Minha escrita é simples, com o intuito de não menosprezar a sensibilidade e a inteligência de quem lê. E a oportunidade de estar mensalmente entre as páginas de um periódico da Cidade de Aparecida, cumpre em mim uma missão para quem não tem voz e encerra ouvidos a quem se ensurdece com medo de concordar. Mas isso não me faz senhor da verdade, lógico. E é exatamente aí que emerge o respeito com o particular de cada um, principalmente de quem me lê. Em 1968 a ditadura militar censurou a imprensa antes mesmo que o AI-5 fosse realmente editado e prendeu pessoas antes de ser anunciado oficialmente. O Jornal “O Estado de S. Paulo” foi proibido de circular às vésperas da decretação do AI-5. o Jornal “O país” conseguiu até dar um “drible” prévio na censura, mas foi logo re

As lágrimas de Deus.

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Aquilo me tirou o sono. Literalmente. Caindo lentamente sobre o fôrro da casa de telhados antigos, uma goteira insistente se inseria no silêncio da madrugada. Gota por gota, num ritmo constante, era como se algo ensurdecedor tomasse conta de meus ouvidos Levantei meio “fulo” da vida lembrando apenas do bendito pedreiro que não fez aquele serviço direito, mas que recebeu direitinho o que cobrou pela empreitada. Arrastei o sofá, procurei por um pano de chão. Tirei um velho quadro da parede, pois a goteira, já não encontrando mais vazão, escorria pela parede caiada da sala bem atrás dele. O quadro, todo ele molhado às costas, acabou por estragar junto da estampa emoldurada. Por alguns segundos, minha vontade era de jogá-lo com força ao chão e pisoteá-lo. Subir até o telhado e destelhar tudo. Aos berros, xingar o bendito perdreiro que naquela hora da madrugada, com certeza, dormia o sono dos justos. Me contive a tempo para não acordar a vizinhança com aquela revolta fora de hora

Stress intelectual

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Não tem nada mais difícil de ver do que um garçon irritado. Ainda mais se ele está com o bar cheio, saindo gente pelo ladrão, e seu companheiro, o outro garçon, faltou. Isso sem falar nos bêbados de plantão que se acham amigos do garçon e se sentem no direito de fazer o que bem entendem com ele. Qualquer coisa irrita ainda mais esse guardião da nossa sede. Por isso nem é bom a gente puxar assunto. Nem olhar se pode, pois, um simples olhar, pode desencadear uma discusão. E para um garçon já velho de casa, o freguês não tem razão. Nem mesmo a cortesia de uma boa gorjeta é capaz de fazer esboçar um sorriso desse rosto. Numa dessas noites em que nosso amigo estava irritadíssimo, eis que chega um engravatado de terno, metido a intelectual, e consegue por sorte se sentar na última mesa vazia. De longe, o cara já afrouxando a gravata fez um sinal levantando os dois indicadores, que se abrindo, mostraram o equivalente ao tamanho de uma garrafa. Em qualquer noite, mas não naquela, o garçon ente

Óbito literário.

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A última carta foi encontrada sobre a mesa que ainda exalava um cheiro amadeirado no espaço iluminado pelo resto azul da tarde. O papel, com letras escritas a lápis, dizia: -“Estou cansado. Cansado de disputar espaço com notícias vazias e compromissos capitais sem nenhum efeito literário, sem nenhuma força influente á sabedoria humana. Cansei de garimpar tesouros que o tempo já esqueceu, de buscar atenção nos olhares perdidos quando transbordo sabedoria ingênua em papéis poluídos de realidade. De entender que a grandiosidade de muitos não será perpétua. Que eu não sou comprado barato. Que na verdade, nem tenho preço. Não quero mais que me iluda tanto minha pobre e vasta poesia. Quero que a miséria, em muitos sentidos, continue sendo forte. Que a pré-censura me castre a escrita e que eu silencie diante desta ação inadmissível. Meu silêncio vai dizer muito e traduzir mais ainda essa “debandada” de metáforas. Estou cansado de refazer caminhos para não me perder. Cansado de escrever o que

Em busca do sofrimento.

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Muito antes da febre das TVs a cabo ou por assinatura e da Internet, onde é possível ouvir qualquer rádio existente no planeta, quem reinava soberano nos meus tempos onde o fanatismo pelo Corinthians ultrapassava alguns limites, era o famoso radinho de pilhas. Eu tinha um da marca Phillips. Mas as rádios que transmitiam os jogos, principalmente à tarde eram quase impossíveis de se sintonizar. Á noite ainda dava pra ouvir um pouco mais, mesmo as ondas “indo e vindo” sem parar. Às vezes, a gente se sentava embaixo dos postes de luz da rua pensando que ali, devido ao magnetismo, poderia melhorar a sintonia, ou ficar na beira da Via Dutra pra ver se as “ondas” melhoravam. Era um folclore. Nunca se provou nada em relação a isso. Era também um pouco desgastante, mas provava a fidelidade em torcer. Com o passar do tempo paramos com essa aventura sem retorno e começamos a “evoluir” nossa busca. No domingo à tarde migrávamos para o Restaurante Leid’s, do seu Eduardo Elache, onde havia um r

Mudando a história.

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A mulher sempre foi considerada um ser inferior. A reprodução, o trabalho doméstico, tomar conta dos filhos, eram as únicas funções que estavam implícitas ao papel feminino. O direito ao voto, ingressar nas instituições escolares e trabalhar fora de casa foram vitórias conseguidas apenas nas décadas de 30 e 40 do século passado. As grandes guerras mundiais tiveram uma particular importância para a expansão do papel feminino no mundo. Com os homens partindo para a guerra houve a necessidade de encontrar novos meios de sustento que pudessem preencher as lacunas econômicas dessa época. Por isso, a presença da mulher no mercado de trabalho tornou-se muito mais do que uma mera hipótese. Com a guerra, as mulheres tinham que assegurar o sustento e o evoluir da economia, não só do país, como para sua própria subsistência, assumindo uma importância vital. O fim da guerra vem novamente cavar um fosso entre os papéis do homem e da mulher na sociedade. A elas são novamente atribuídas as funções d

O gigante aprisionado.

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Quando a gente é criança tudo em nossa volta parece grandioso. Não se tem a noção perfeita nem a dimensão exata das coisas. A cidade de Aparecida é cheia de poesia e de beleza, onde o passado enfeita o presente o emoldurando com luzes de fé e de amor. E diante dessa fé, o exemplo de vida de um Santo negro traduz a novidade que sempre se preserva. Da mesma forma, a dimensão de uma tradição, com traços incomparáveis, é sempre renovada. Num momento mágico esses traços se transformam em laços eternos das coisas. Os olhos se elevam no sentido contrário do comum quando é época de Festa de São Benedito. E em toda época de festa era sagrado: -Meu pai se munia de rolos e rolos de filmes, dependurava a velha “Flexaret” no pescoço e assim a gente seguia junto para a praça. Eu, com meus pensamentos presos nas mais de mil guloseimas que ia encontrar por lá. Ele atento a cada pose que iam ilustrar o centenário Jornal Santuário do semestre o qual era repórter fotográfico. O caminho mais curto até lá

Com a mesma moeda.

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A capacidade humana de ser solidário é determinada muitas vezes pelo grau de necessidade de ajuda que precede uma ação deste tipo. Dentro disso, a capacidade de ser justo caminha lado a lado com a mesma capacidade de ensinar as pessoas a viver, e de uma forma solidária, não sofrer o peso de ser pago ás vezes na mesma moeda em certas ocasiões. Isso pode acontecer com qualquer pessoa, sem nenhuma distinção ilusória ou falsa. Minha mãe, grávida de um dos seus primeiros filhos lá na década de 60, se viu diante de uma situação difícil naquele distante cotidiano: -Aprontando a marmita do meu pai que trabalhava na praça da igreja velha e tendo que lavar um monte de roupas que estavam empilhadas no tanque, viu um cano d’água se romper, molhando tudo em volta e atrasando seus afazeres daquela manhã. Existem certas coisas que mulher não faz. Sem nenhum preconceito, independente de suas capacidades profissionais que crescem cada vez mais. Não faz e ainda mais grávida. Ao seu modo simples, escrev

Incansável João.

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O meu tio João Dias também fez parte daquela época lendária do Campo da Santa, que ficava onde é agora a Rádio Aparecida. Ele falava que era “bom de bola” e sempre que davam oportunidade, arriscava também como juiz de linha, apitando os jogos. Certa vez, os irmãos Samahá cismaram que o João Dias estava “roubando” a equipe deles no apito e favorecendo o time da Santa Rita. Contam que meu tio ficou sendo “ameaçado” o jogo todo. O Hulha Samahá dizia que “aquela tarde ele não escapava” de levar uns tabefes. Meu tio João Dias nunca foi de correr de briga. Mas parece que aquele dia estava em desvantagem. E o que fazer pra fugir daqueles “gigantes da praça”? Ele teve que pensar rápido, pois a partida já estava pra acabar. Assim, ele esperou o momento certo e quando a bola foi para o gol do fundo num último ataque do time da Santa Rita meu tio se posicionou no campo contrário, ficando perto do gol e bem longe dos “brutamontes”. A jogada não deu em nada lá na frente e, instantaneamente, ele api

Amarga cerveja

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Certa vez, assisti uma final da extinta Copa Mercosul entre Palmeiras e Vasco acompanhado por um dos mais fanáticos corinthianos que eu conheço: o Waldomiro Elache, que era o guardião do balcão do Bar do João Donaldo e responsável por servir a cerveja mais gelada da Santa Rita naquele período. -“Hoje eu sou vascaíno desde criancinha”, bradou o Miro em voz alta antes de começar a partida. Nem poderia ser diferente. Bola rolando! O tempo foi passando e o Palmeiras jogava por música. Com um toque de bola refinado foi fazendo um gol atrás do outro, deixando eu e o Miro com cara de bobo. Ele não sabia se lavava copo, se olhava o jogo ou acendia outro cigarro, tamanha a tensão. O baixinho Romário não tinha colocado o pé na bola e ao final do primeiro tempo o verdão vencia por 3 a zero. Foi um baile dançado com uma mão na cintura da taça. No intervalo do jogo, eis que chega ao bar o Ricardo Bernardes, filho do Zinho fotógrafo, com um sorriso largo no rosto, fazendo a maior farra e

Desmoronando ao pé do rádio

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(Histórias de um time centenário) Para deleite dos menos felizes, a construção do Centenário do Corínthians também teve seus momentos amargos. Vigílias agarradas ao rádio de pilhas esperando triunfos momoráveis que não aconteciam. Vésperas sofridas pela angústia da ceteza que não se concretizava. Macumbas nas esquinas, botecos iluminados com velas. Vinte e três anos de espera com bêbados tropeçando nas derrotas. Esses episódios que rasavam os olhos d’água e cortavam as almas alvinegras talvez sejam para os corinthianos os mais recheados de orgulho. Era assim que inexplicavelmente a torcida crescia sem ninguém entender a razão, alinhavando em silêncio e humilhada a esperança de uma conquista. Na época em que o “time do povo” sequer conseguia empatar com o lendário Santos de Pelé, houve um jogo contra o time da baixada santista que o coringão conseguiu “enfiar quatro” no peixe. Ganhar do Santos nos tempos do tabu equivalia a vencer o campeonato. E um corinthiano amigo nosso naquel

O conhecido.

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Um casal de idosos que morou a vida inteira na Santa Rita, mais precisamente por perto do Sindicato da Fábrica de Papel, tinha a mania de dar suas voltinhas pela redondeza todas as manhãs pra “desenferrujar” as canelas. Saíam de casa caminhando a passos vagarosos, e com todo cuidado, percorriam a rua de paralelepípedos até antrarem atrás do cemitério. Essa passagem, hoje rota de adolescentes que gostam de fumar um baseado, desemboca ao lado da Rua 1º de maio, ao lado da ponte da Via Dutra. E era ali que os dois demoravam um pouco sentados nos caixotes de frutas do saudoso Seu Vicente para olhar o movimento. Depois, aos mesmos vagarosos passos, voltavam pra casa para aproveitar o restante do monótono dia. Numa manhã de domingo, dia de muito movimento em Aparecida, fizeram o mesmo ritual da caminhada... Ao chegarem em frente a Rua 1º de maio, deram de cara com um enterro de um senhor morto na Ponte Alta que, por coincidência, ia bem à frente de uma romaria enorme vinda do interior de São