Um sambista no “Alto da Candonga”.


Nunca ficou tão claro e talvez nunca fique a exata verdade de inúmeros fatos que aconte-ceram nos carnavais de antigamente em Aparecida. Com o decorrer do tempo, quase toda estória de carnaval acabou virando lenda e habita hoje as mentes mais ilustres e experientes daqui. A quem diga que o carnaval de Aparecida nunca emplacou devido ás imposições da Igreja, pois Aparecida, desde antes, sempre foi conhecida como a “capital da fé”. Não combinaria se arrastando pelas ruas daqui a maior manifestação profana popular que se conhece. Mesmo assim, em outras épocas, Aparecida teve suas escolas de samba que puderam marcar um tempo mais romântico e organizado. Hoje, diversos blocos carnava-lescos fazem a alegria do povo pelas ruas patrocinados principalmente por políticos e candidatos de plantão. Em 2008 isso vai ser uma festa. “Uma festa dentro da festa”.
O bloco “Escama de Ouro” foi o primeiro bloco de rua criado por aqui. Logo, no ano seguinte, vieram a “Embaixada da Biafra”, do Bairro Santa Rita, “Dragões Imperiais”, “Simão Miné” e “Embaixada do Samba”. Na primeira escola de samba infantil “Serelepes do Samba”, o enredo foi composto pelo Padre Pelaquim. Mas a Igreja não fazia restrições? Eram realmente outros tempos onde a força do carnaval ultrapassava alguns limites e imposições. Naquele tempo de repressão, alguns dizem que os sambas de enredo tinham que passar pela inspeção da Polícia Federal em São Paulo antes de começar os ensaios. Os componentes da bateria eram disputados a peso de ouro para integrar determinada escola. Muitos sambistas também, além de fazerem parte da bateria de escolas de samba daqui, tocavam também instrumentos nas escolas de Guaratinguetá.
Foi numa noite que antecedeu um dia de desfile pelas ruas de Aparecida que um sambista de uma escola recebeu a notícia de que a polícia estava com um mandato de prisão contra ele. De fato o sambista tinha culpa no cartório. Já havia cometido alguns delitos e ainda gostava de fumar “um” baseado. Era o típico malandro boa praça que todo mundo conhecia e que em época de carnaval era disputado pelas melhores escolas de samba da região por ser um verdadeiro mestre com um repenique nas mãos. Parece que naquele carnaval ele ia tocar na bateria da “Tamandaré” em Guaratinguetá.
A lenda ainda diz que estes mandatos de prisão eram típicos em épocas de carnaval. Nunca ninguém conseguiu provar nada, mas era uma forma de “guardar” os baderneiros a fim destes não causarem transtornos nos dias de folia. Por tabela, prejudicaria algumas escolas não simpáticas às autoridades, já que alguns sambistas componentes da bateria eram malandros que sempre se metiam em confusão na época, caso do nosso amigo do repenique. A “baixa” na bateria tinha de ser assimilada de qualquer forma. Isso até munia a escola de uma maior e mais intensa superação na hora do “vâmo vê”. Mas certos componentes faziam uma falta tremenda. Mesmo assim o bloco saía...
A polícia correu a cidade em busca do nosso “sambista delinqüente”, mas não teve nenhum êxito nas buscas. Cercaram à paisana os arredores nos dias de ensaio no Tamandaré e nada. No dia do desfile da escola fizeram “tocaia” na porta do seu barraco e nada do esperto aparecer. Muito tempo depois, numa informal conversa deste colunista com um velho morador do Bairro Santa Rita, entre uma Skol e outra, pude saber desta história. O nome do sambista me foi omitido até os 49 do segundo tempo. Acho que mais uma cachaça e o cidadão me contava além do milagre o “santo”. Mas ele foi fiel á memória de seu amigo sambista. O que pude saber é do arrependimento do carnavalesco diante de seus delitos cometidos. Ninguém conseguiu o encontrar, pois ele se trancafiou na casa de um conhecido, passando todo o carnaval escondido no “Alto da Candonga”, tendo como companhia apenas algumas garrafas de “Riopedrense” e alguns maços de cigarros. Teve que se contentar em ouvir os comentários dos desfiles pela Rádio Piratininga, o que aumentou ainda mais seu desespero, já que o carnaval era uma das suas maiores paixões. No último dia de folia, a noite que parecia interminável, foi-se arrastando pela impossibilidade de deter a alvorada. Restos de nada emolduravam o vazio insistente do lugar. Tudo um dia se esvazia. O carnaval virou cinza. Tudo um dia vira pó. O som do rádio emudeceu, pois se acabaram as pilhas. Tudo realmente um dia se cala. Na quarta-feira teve ainda a inspiração em escrever a letra de um samba que ficou guardado por muito tempo em gavetas esquecidas e que eu pude conhecer um trecho único que dizia: “Seres gigantes transportam a alegria infinita. Desfilam sobre a avenida colorida e vão até as beiras do impossível rumo ao planeta sonho”.
E ele foi, com certeza, um desses gigantes...

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