Os 25 anos do Bar do Zé Maria.

...Meu amigo Beto Leite até telefonou me convidando. Mas por conta de uma amidalite, que já conta os dias pra ser exterminada, não pude comparecer na festa.
Em outras épocas, quando a gente se deslocava para o Bar do Zé Maria, era realmente uma festa. Geralmente sábado na hora do almoço.
Lembro-me quanta cerveja rolou por aquelas mesas invocando muita MPB. Quantas feijoadas tiraram nossa atenção quando o papo era sério demais. Em mesa de bar o papo não pode ser muito sério se não dá briga, assim já falava meu saudoso pai.
E foi lá no Zé Maria que o Adilson, o Pedro Querosene, amigo que trabalhava lá na fábrica do seu Célio, inventou a “feijoada comunitária”, onde todo mundo comia junto numa cumbuca enorme só pra dar uma economizada na conta depois. Eram realmente os melhores sábados na nossa época.
No carnaval, a maior concentração para a Banda Mole era ali. Não tinha lugar no mundo mais animado por ser o mais “embriagado pela alegria”. Era épico. Não passar por ali no carnaval era impossível.
Bem antes do meu tempo, o Bar do Zé Maria era de dimensões pequenas. Mas enorme no acolhimento. Ficava onde tem agora uma locadora, bem ao lado do Fórum.
O bar ficava infestado de gente se acotovelando no balcão. Enquanto isso, o proprietário do local onde fica o bar agora se intrigava com seu bar de dimensões mais amplas, mas sempre vazio. Foi inevitável a troca. Quem realmente faz o bar é o dono.
Rondou ainda o Zé Maria pela Praça de São Benedito com uma espécie de “filial”. Foi por pouco tempo. Enraizou-se mesmo ali onde está. Ali o Zé Maria deixou saudade. A sua genialidade com diversos assuntos o fazia incomum. Mas isso era fruto da sua imensa humildade e coração.
Um dia, o Zé perdeu a voz. Mas foi impressionante a forma de como ele se superou a ausência de palavras. Através de bilhetes “falava” sempre a coisa certa no momento certo, unindo o instante à forma brilhante de fazer rir e pensar. Esse dom, essa sintonia, emanava do Zé naturalmente.
Num daqueles sábados, estávamos por lá na maior farra e cantoria quando chega um cidadão já meio “turbinado” no balcão pedindo uma cerveja e uma 51. Puxando papo com o Zé Maria o camarada tentava parecer simpático se fazendo crer que era um freguês antigo dali. Logo ele reparou que o Zé Maria tinha um problema na garganta e, por conta disso, não falava.
Diplomático, o Zé deu a atenção necessária ao cidadão que de repente começou a falar com ele aos berros e com uma conversa atravessada. Sem pé nem cabeça. Por conta de sua inconveniência, ficou meio que isolado, pois parecia ser um daqueles bêbados chatos que existem por aí.
E limpa mesa dali, e põe outra cerveja lá e naturalmente o Zé Maria encostava-se ao balcão para lavar alguns copos que iam se empilhando na pia. E novamente começava a ladainha aos berros com o Zé.
Ao lavar todos os copos, com toda calma do mundo o Zé Maria tirou uma caneta e um bloquinho de papel do bolso da camisa, se afastou um pouco do indigesto e na sua plenitude literária escreveu algumas linhas no papel e entregou ao cidadão. Antes de ler o cara pareceu se sentir importante:
“Ganhar um bilhetinho do Zé Maria é para poucos”. Deve ter pensado o camarada cheio de orgulho achando que o território estava marcado.
Os berros e a gritaria do sujeito duraram até quando ele leu o bilhete. Sem jeito, ele pagou sua cerveja e sua pinga sem dar um pio, amassou o papel meio desanimado, jogou no cesto e saiu. Foi embora.
Um curioso que havia “filmado” toda a trama não conseguiu se segurar e perguntou pro Zé:
-Qual foi o milagre que você fez pro cidadão parar de berrar Zé? Olha que alivio que deu no bar...
Com certa dificuldade ele se abaixou e retirou do cesto de lixo o bilhete amassado que dizia num tom bem solene:
“Não precisa berrar meu caro. Eu não falo, mas não sou surdo”.
Ás vezes temos que inventar meios pra escapar das saudades que nos rondam quase sempre...
Aqueles bilhetes formaram um rico universo nas mentes de quem participou daquele seu cotidiano. Instruía com bom humor nosso galgar diante dessa vida muitas vezes escassa de alegria. Mas é ali no bar que sua presença vem rondar nossos momentos. Certas pessoas não nos abandonam jamais.
Quem sabe um dia, inexplicavelmente, de repente, bilhetinhos comecem a cair do céu...

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

O chifre

Os 90 anos do Cemitério Santa Rita em Aparecida

Americanização