O fim do filme.


Um dos programas que mais nos entusiasmava em finais de semana quando se tinha um dinheirinho sobrando era ir ao Cine Ópera. O cinema, único na cidade, era sinônimo de paquera. A gente ficava na Praça de São Benedito tentando “arrastar” uma romeirinha pra assistir um filme e dar uns belos amassos na garota sentados naquelas poltronas confortáveis. Muita romeirinha nem sabia o que era cinema por serem de cidades pequenas, principalmente de Minas Gerais. E isso era o nosso principal argumento no “xaveco” da noite. Raramente dava errado.
Assistir o filme lá do “puma” era o auge. Mas quase nunca dava pra pagar aquele conforto. O jeito era se contentar com os lugares de baixo mesmo.
O cheiro da pipoca fazia a sala flutuar. Não havia como escapar daquela delícia que aos poucos ia invadindo o lugar com um cheirinho irresistível. Só quem sentiu sabe e lembra. Depois, era de lei comprar um Hall’s cereja pra poder caprichar no beijo. Eu já gostava do Hall’s Extra forte. Ele fazia a garota ficar com olhos “ardidos” quando a gente falava de perto e, neste vacilo, era mais fácil roubar um beijo da menina que estava meio desconfiada e tímida diante daquela tela gigante.
O “lanterninha” na época era o amigo Dito do cinema. Autoridade que detestava bagunça durante o filme e que vez ou outra vinha atrapalhar nossos beijos naquela escuridão, apontando a luz bem na nossa cara. Quando o casalzinho parecia estar ultrapassando o sinal, lá vinha o Dito do cinema com a lanterna estragar a festinha.
Por isso, muitas vezes, a gente ficava planejando uma espécie de “vingança”que nunca dava certo. Vingança presa na inocência daquela distante puberdade.
Uma vez, um amigo meu teve a idéia de construir uma “bomba-relógio” pra detonar dentro do cinema bem na hora em que o filme estivesse na parte mais interessante. O artefato explosivo consistia em uma pequena bombinha que era vendida na Loja do seu Arnaldo, lá na Santa Rita, com uma “bita” de cigarro sem o filtro na ponta.
Feito isso, lá fomos no sábado assistir o filme que para nós ia chamar “A noite da vingança”.
Adentramos o cinema e fomos direto ao banheiro. Um ficou do lado de fora para dar a cobertura necessária na estratégia. Tudo pensado nos mínimos detalhes pra não dar errado e ninguém desconfiar da movimentação no banheiro. Com um maço de papel higiênico enxugamos o chão atrás do vaso sanitário, acendemos a ponta do cigarro, colocamos a bombinha atrás da privada e fomos nos acomodar numa poltrona bem longe dali. O lanterninha nem imaginava o que estava por vir naquela sessão.
E começa o filme. Cinema lotado. Mesmo aquela vontade de comprar pipocas não nos fazia arredar o pé do lugar. Tudo para presenciar o nosso “pequeno e inocente terrorismo” que se formava dentro do banheiro. O tempo foi passando, foi passando e nada da bombinha explodir. Começamos a achar que a água da privada havia vazado e molhado todo o mecanismo desen-volvido minuciosamente.
-“Quem vai lá conferir?”. Ninguém queria se arriscar.
Mas de repente, quando a gente se preparava pra ir conferir, o susto. A EXPLOSÃO!
Um barulho que se fez enorme devido as pequenas dimensões do banheiro fazendo o filme parar e serem acesas todas as luzes do cinema. O maior tumulto. As meninas aprontaram a maior gritaria enquanto os garotos ficaram com cara de bobo sem saber o que estava acontecendo.
De longe a gente viu a fumaça que saía do banheiro e caiu na risada. O Dito ainda deu um olhar desconfiado em todas as direções antes de correr pro banheiro e conferir a “desordem”. Mas, nada foi provado contra a gente. Um “crime” perfeito.
Depois, com toda calma do mundo, a gente saiu de lá com a leve impressão da missão de “vingança” cumprida e certo alívio por não ter assustado ninguém com mais gravidade nem causar danos maiores ao patrimônio dos “Marotas”.
No bar do seu Carlos Português, entre “Caçulinhas, Cocas e Ginis”, ficamos ainda por alguns intermináveis minutos comentando o feito “memorável” da noite. Tudo à surdina pra evitar complicações. Muito tempo depois, conversando com o Dito do Cinema, ele ainda relembrou outras explosões que aconteceram por lá e pareceram mais perigosas. Em tempos de internet, onde filmes consagrados podem ser salvos ou até mesmo a onda dos DVDs piratas que rondam toda e qualquer esquina da cidade, velo o Cine òpera virando passado. Com isso, parte do filme de nossas vidas, infelizmente, chegou ao fim. Bem diferente daquele outro filme que um dia, por causa da nossa “bombinha”, não chegou a terminar...

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