Inesquecível funeral.


Quem ama a vida gostaria de ter um funeral assim. Nem precisava durar doze dias pra acontecer, mas com um show para milhões de pessoas assistirem com lugares disputados por internautas de todo planeta. Com caixão timbrado em ouro, esquecendo que o mais importante é fazer história quando se vivo, não ficar famoso ainda mais quando se morto.
Muitos acreditaram que o corpo do “rei do pop” não estava lá. Ele próprio talvez não acreditasse, pois, vagando em algum plano luzes, a alma às vezes demora a se libertar da matéria. Mas o “rei do pop” físico será sempre maior porque o peso do seu lado mítico eternizado em suas canções, ocupará existências além. Fora disso tudo, meu funeral seria diferente. Antes, eu teria que esquecer que tenho que pagar primeiro o carnê do Plano Mútuo que está bem atrasado. Quem ficar que se vire com esse acerto de contas.
De uma forma mais modesta, gostaria que no dia funesto mulatas “preparadas” de fio dental sambassem suadas ao lado do desencarnado ao som da bateria do “Unidos de SantaTerezinha”, sob a batuta do mestre Panchito da Ponte Alta.
Sobre o caixão, uma bandeira em preto e branco, com dois remos e uma âncora em vermelho, traduzindo o corinthianismo das veias. Que seja em dia de chuva, para que só verdadeiros amigos fossem capazes de ir. (Acho que o meu amigo Loro vai estar lá porque ele adora andar na chuva). Sem nenhuma vela acesa em protesto à minha renite. De braços cruzados, para mostrar a resignação com a vida que se foi e com o momento que se impera. Sem choro para que a alma que vai perambular por ali possa enxergar na pobre matéria que fica o reconhecimento do lugar que ocupa mesmo não ocupando mais lugar algum. Um funeral com nome, sobrenome e apelidos falados nas frequências AM e FM que possam informar de minuto a minuto o horário correto em que o féretro sairá, para que amigos desavisados não cheguem atrasados e o “caixote” não tema com seu conteúdo de que não tenha ninguém pra carregá-lo. Com cachorros latindo pela noite e bêbados querendo café pela manhã. (Sei lá se anjos se disfarçam assim). Um acontecimento de parar o trânsito da rua que futuramente possa levar o nome do desencarnado. Depositado sob um foguetório ali no cemitério velho, com placa de “perpétuo” já escura pelas velas dos anteriores, na ala B, à direita de quem entra, mas sai. Com cigarras cantando nas árvores enquanto Içás vão perambulando pelo chão querendo formar outra comunidade.
Houve um enterro uma vez que seguiu firme a Rua 1º de maio rumo ao Pio XII e que somente nas proximidades do viaduto é que alguém foi informar os desatentos que o caixão deveria ir ao cemitério Santa Rita. Gente que derrubou a dentadura dentro do caixão e, por propósito da grande amizade, ofereceu ao morto seu “último sorriso”. Um conhecido nosso que já chegou a seguir com toda tristeza o enterro de um amigo muito querido e só foi perceber que o defunto não era o amigo quando na última “abrida” da tampa viu uma velha com as mão postas. Gente que chorou pelo morto errado por minutos intermináveis de tristeza. Amigos que foram “beber o falecido” num buteco e se esqueceram do enterro porque era segunda feira de carnaval. Caixão que não tinha quatro pessoas pra carregar e fez com que meu pai chegasse atrasado depois do almoço na Editora. Enterro de gente importante que só adentrou ao cemitério velho quando noite. Gente que chorou inconsolávelmente num enterro não pelo falecido, mas por causa de uma picada de escorpião que fugiu feliz entre as ruínas de um túmulo velho.
Um funeral assim, que dure por toda vida. Inesquecível.
Muito mais ainda que o personagem principal de toda história que se seguiu.

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