Explicando a arte.


Numa das nossas últimas conversas, meu pai regressou no tempo e relembrou com saudade de quando foi fotógrafo “lambe-lambe” na Praça Nossa Senhora Aparecida.
Essa sua definição e conhecimento da arte fotográfica virariam algo épico depois, quando começou a trabalhar na centenária Editora Santuário, local onde por quase trinta anos pôde ultrapassar seus limites e virar uma lenda entre os maiores fotógrafos do vale do Paraíba no século passado.
Em 9 de abril de 2009 fez exatamente 39 anos que ele ingressou na Editora pelos olhos conhecedores do Pe. Clóvis Bovo, o grande “descobridor”, morando hoje em Goiás.
Desde o modo mais rústico e arcaico de revelar o retrato nas famosas máquinas tripé e colori-las usando uma batata pra fixar a tinta no papel até quando se aposentou exercendo a função de encarregado da Fotomecânica e Fotocomposição na “gráfica” ele ilustrou com sabedoria simples seus passos dentro da história dessa arte. Da sua época de “Lambe-lambe” contou-me naquela quase derradeira conversa:
“Para se tirar o retrato, é necessário colocar o chassi e focalizar a pessoa de ponta cabeça. Logo depois se fecha o obturador, pede atenção da pessoa, desce o chassi e bate a exposição.
Depois, se tira o filme, revela e passa no fixador dentro da própria caixa. É tudo feito no tato. Logo depois se tira o filme, lava-o num balde de água, esfrega um pouquinho de álcool e deixa escorrer no vento. Coloca-se o postal em cima, tudo ainda dentro da caixa, e abre uma pequena janela para expor o papel à luz. Depois coloca no revelador, no fixador novamente, lava e põe para secar.
A caixa da máquina mede aproximadamente 60x20cm e é feita em madeira de lei, geralmente cedro. A parte de cima é recoberta por uma chapa de alumínio para proteção, onde também é fixada uma alça para carregar. Na parte de cima, atrás, há uma abertura com vidro, por onde passa a luz para as reproduções. A caixa é fixada por uma cruzeta de madeira ao tripé, feito de pinho-de-riga, articulada com parafusos, ruelas e borboletas. A caixa da máquina possui várias partes. A lente, que é aproveitada de uma máquina antiga, é presa a um fole, junto a uma maquineta. A lente é assentada sobre os trilhos, uma espécie de “corredeira”, para deslocar e dar o foco. De uma maneira bem justa, atrás do fole, por dentro, se encaixa um vidro despolido ou fosco para focalizar. Preso na parte de cima, com deslocamento para frente do fole, fica o chassi com o filme, que é preso a uma moldura de alumínio chamado de “intermediário” para a foto não sair “frú” ou tremida.
Para se revelar o retrato dentro da própria máquina existem dois pequenos recipientes de aço, dentro de um tanque também de aço, com duas colheres para remover o filme e o papel. Esse tanque é fixado em baixo da caixa, com cuidado para não deixar passar luz. A caixa da máquina, por dentro, é toda pintada de preto. Com destreza, é preciso ter conhecimento da posição do sol e nuvens. Essa arte de se fazer laboratório à luz do dia expõe o saber do retratista, definindo suas habilidades no ofício.
Na caixa, os fotógrafos costumam colocar em suas laterais externas, sob um vidro, uma série de retratos modelo, geralmente 9x12 ou 9x14, que acabam inspirando poses, lembrando anônimos e famosos e registrando a vida da cidade. Essas pequenas galerias itinerantes sintetizam tendências da fé de um povo. Consagram composições, padrões e definem critérios na devoção. O restante Nossa Senhora Aparecida dá um jeitinho de resolver. Ela sempre traz o romeiro até aqui e protege seus ‘Guardiões’ que passam quase toda vida na velha praça registrando essa enorme devoção com a Santa. Esse é o ganha o pão de cada dia”...
O modo digital veio pra ficar. Impressionaria o velho Joaquim Dias. Mas nada tão excepcional que pudesse remeter seus conhecimentos a uma obediência doentia de achar que a tecnologia é um ganho incontestável para a fotografia, pois, com o passar do tempo, não vem conseguindo desenvolver um modo de preservar a nobre arte.
Somente essa “entrevista” histórica com o velho retratista, em meados de 1999, nos mostra a importância do resgate que tem que haver dentro da preservação da memória fotográfica que revolucionou o tempo, fazendo-o eterno nas poses estáticas. Isso tudo, desde um simples instante ao mais importante momento.

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