Beijo na taça.


Na várzea, o time do Sabão E.C. tinha conseguido chegar à decisão contra o time do Clube Atléctico Caixote. A grande final seria no sábado à tarde no campo do Lajotinha.
Claudete era apaixonada pelo namorado Assis. Ele era o capitão do time do Sabão. Apaixonada e muito ciumenta. Nunca admitiu que ele desse nenhuma “escorregadela” por aí, aproveitando sua fama de craque entre as “Marias chuteiras” de plantão que se organizavam nas arquibancadas se esgoelando pelas pernas dos jogadores em campo. Claudete marcava o namorado Assis mais que os beques da várzea.
Justamante na véspera daquele sábado decisivo, Claudete perdeu uma tia e teve que viajar as pressas para Botucatu para acompanhar o sepultamento da ente querida. Foi mas não antes de reservar aos ouvidos do craque milhões de recomendações dizendo que “se fosse preciso, que ele levasse até mesmo o celular pra dentro de campo” tamanha sua obstinação em vigiar Assis.
Jogo truncado, valendo taça. O zero a zero persistiu até os minutos finais, onde o árbitro da partida, secretamente comprado por um vereador do bairro do time do Sabão, inventou um penalti que o craque Assis converteu em gol depois de muita confusão que os policiais da única viatura no local conseguiram controlar.
O churrasco patrocinado pelo vereador comeu solto. Muito pagode, muita festa e cerveja à vontade. A taça, uma espécie de caneco dourado, foi alisada e levantada por todas as mãos presentes e depois oferecida para que passasse aquela noite na casa do capitão Assis, o herói da partida. Depois, o troféu entraria para a eternidade da prateleira do Bar do Canudo, um dos patrocinadores do jogo de camisas do time.
A festa entrou noite adentro. Na memória do celular de Assis que permaneceu desligado até aquele momento, dezenas de ligações não atendidas da Claudete.
Uma das “Marias chuteiras” que bebeu um pouco demais acabou indo com o capitão Assis para seu apartamento. Lá, o desejo dos amantes acendeu a madrugada.
De volta, Claudete chegou ao apartamento do craque as duas da tarde. Ele ainda dormia agonizando na ressaca, mas já sem a beldade ao lado.
Antes de sacudir o “gandaieiro” da cama, Claudete vasculhou cada centímetro do apê. Olhou até mesmo o cesto do banheiro. Era um crime perfeito que não deixou rastros.
Mas a ação irresponsável do craque começou a surgir quando, em meio as digitais, uma marca de batom na borda da taça, que ainda reservava um resto de vinho barato dentro, mostrou vestígios da atitude infame. Uma bituca de cigarro com a mesma marca que parou no para peito da janela confirmava o ato, pois Assis nunca fumou.
Decepcionada, num último bilhete, Claudete foi morar em Botucatu com sua outra tia e acabou se casando com um peão de boiadeiro cheio da grana.
Aquela única noite foi capaz de causar um grande estrago na vida do craque que caiu na bebedeira pensando na besteira que havia feito. Por conta das pingas, perdeu também o emprego e a camisa 10 de titular do Sabão E.C..
A valiosa taça ficou esquecida entre a poeira e as garrafas da prateleira do Bar do Canudo por todo sempre.
No ventre da Maria chuteira crescia escondido outro troféu do craque Assis.
Mas esse, bem mais valioso e mais "caro" que o outro...

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